O TIPO DE FIBRA MUSCULAR E O TREINAMENTO IDEALTipos de fibras musculares
Cada modalidade esportiva possui as suas características que exigem determinados níveis de desenvolvimento e aperfeiçoamento das capacidades motoras do ser humano.
O potencial das capacidades de força, velocidade ou resistência dependem em parte do tipo de fibra muscular predominante em cada indivíduo.
De um modo geral, as fibras musculares são classificadas em três tipos básicos:
Tipo I, ou de contração lenta;
Tipo IIa e Tipo IIb ou de contração rápida.
Na tabela 1, podemos verificar as características essenciais de cada um destes três tipos de fibras musculares. O tipo de fibra muscular predominante em determinados grupos musculares de um indivíduo é um bom indicativo da modalidade esportiva mais apropriada ao mesmo.
Assim, um dos critérios utilizados pelos cientistas esportivos para direcionar os futuros atletas à suas modalidades específicas é o método dermatoglifico. Por este método, os cientistas esportivos analisam as digitais dos indivíduos e, por meio deste procedimento, podem concluir com certa segurança qual o tipo de fibra muscular predominante e indicar a modalidade esportiva mais apropriada.
Para as necessidades dos corredores de fundo, as fibras Tipo I são fundamentais por apresentarem uma resistência à fadiga de longa duração muita alta. Estas fibras são muito eficientes na produção da energia na presença de oxigênio (aeróbio), por isso são capazes de manter o exercício físico durante um tempo prolongado; assim, dizemos destas fibras que elas possuem uma elevada resistência aeróbia. São, por excelência, as mais adequadas para as atividades de grande duração e baixa a moderada intensidade.
Porém, para o sucesso nas corridas de fundo, as fibras Tipo IIa ou intermediárias, embora apresentem uma alta capacidade anaeróbia e uma resistência limitada à fadiga de longa duração, respondem bem ao exercício de alta intensidade e moderada duração. São importantes aos corredores de fundo em momentos como as acelerações iniciais, ultrapassagens e a arrancada final.
Em relação às fibras do Tipo IIb são as que possuem maior capacidade de gerar força, porém, fatigam-se muito rapidamente. Corredores velocistas de alto nível apresentam um elevado percentual deste tipo de fibra em seus músculos.
O corredor de fundo, portanto, para obter sucesso na sua modalidade, deve ser detentor de músculos com percentual de fibras Tipo I maior que a média da população. Há relatos científicos que mostram que alguns campeões de maratona possuem cerca de 93-99% de fibras Tipo I em seus músculos gastrocnêmios. Estes músculos, juntamente com o sóleo, que compõem o tríceps sural (panturrilhas), são os mais importantes na corrida. Com o treinamento adequado, estas fibras estarão se ajustando fisiologicamente aos estímulos do exercício físico realizado, adquirindo cada vez mais consistência para os trabalhos de longa duração.
Há de se considerar, entretanto, que apenas o tipo de fibra muscular não é o único meio e o mais confiável para se determinar um campeão; fatores como a capacidade cardiovascular, o treinamento e a motivação também contribuem significativamente para o sucesso nos eventos de longa duração.
Como treinar as fibras musculares?
O treinamento adequado para as corridas de fundo deve promover o desenvolvimento das fibras Tipo I e Tipo IIa, principalmente.
As do Tipo I são treinadas durante as rodagens (treino contínuo), com duração entre 30 -60 / 120 minutos, em baixa intensidade, ritmo confortável (freqüência cardíaca em torno de 130-150 batimentos / min, para um indivíduo condicionado). É o treino ideal para desenvolver a resistência aeróbia.
No caso das fibras Tipo IIa, o treino intervalado é a melhor opção. Neste caso, “tiros” entre 30 – 60 segundos em intensidade muito alta, promovem os ajustes fisiológicos necessários para o seu aperfeiçoamento. Este treino amplia a capacidade de consumo máximo de oxigênio do corredor (VO2max).
Também podemos treinar ambas as fibras por meio do treinamento fracionado, onde o corredor realiza repetições entre 3 – 5 / 10 minutos de duração, com uma intensidade alta. Neste treino, a tolerância ao esforço (limiar anaeróbio) é exigida ao máximo.
Já as fibras Tipo IIb, embora não sejam eficientes durante a corrida de longa duração, podem, em algumas situações, determinar a vitória em um sprint derradeiro sensacional. Lembram-se da arrancada fulminante de Simon Chemwoio na Avenida Paulista, na São Silvestre de 1992, deixando para trás o atordoado bicampeão Arturo Barrios, na época o recordista mundial dos 10.000m? Pois é... Estas fibras podem ser treinadas realizando-se repetições em máxima intensidade, com duração entre 5-15 segundos e pausas completas para recuperação.
Na tabela 2, apresentamos os tipos de treinamento que produzem os ajustes específicos nas fibras musculares dos corredores.
Corredor resistente ou veloz?
Um dos grandes desafios que os corredores se deparam nas provas de fundo é a manutenção de um elevado ritmo de competição do início ao final do evento.
Tanto para as provas de 10 km ou a maratona, alguns treinos específicos devem ser realizados com o intuito de aprimorar o ritmo de corrida dos corredores.Entretanto, considerando-se o tipo de fibra muscular, temos corredores que são mais velozes e outros mais resistentes.
Os corredores mais velozes são aqueles que apresentam um reserva de velocidade maior por terem uma maior quantidade de fibras Tipo IIa treinadas para exercícios de longa duração. A reserva de velocidade é a diferença entre a velocidade média de uma distância inferior para a velocidade média da distância competitiva. No caso dos corredores de 10 km, consideramos a distância de 1000m como ideal para a determinação da reserva de velocidade.
Embora apresentem uma grande reserva de velocidade, o ritmo médio de competição dos corredores velozes fica distante deste componente da preparação; porém, são muito fortes na arrancada final, quando decidem muitas competições. O corredor veloz, portanto, deve exercitar a virtude da paciência, acompanhando de perto os líderes (como se diz “cozinhar o galo”) e no momento oportuno “escapar” velozmente para a vitória. Esta é a sua característica principal!
No caso dos corredores resistentes, os mesmos não apresentam uma grande reserva de velocidade, porém, o seu ritmo competitivo aproxima-se mais desse componente. Como são mais resistentes e menos velozes, a quantidade das fibras Tipo IIa é menor e/ ou ainda não estão ajustadas o suficiente para o trabalho de longa duração. O corredor resistente deve ser capaz de tirar proveito desta situação (ou sejam, a sua resistência) e adiantar-se dos demais (fugir do pelotão), pois se deixar a decisão para os últimos metros o risco de perder na aceleração final é grande.
Lembramos que, tanto para os corredores resistentes ou velozes, a predominância das fibras Tipo I é fundamental para os esportistas de eventos de longa duração.
Vejamos um exemplo que ilustra o que seja o corredor resistente e o corredor veloz:
Corredor A (Corredor Resistente)
Melhor marca em 1000 m = 2min48seg
Ritmo médio nos 10 km = 3min12seg
Corredor B (Corredor Veloz)
Melhor marca em 1000 m = 2min42seg
Ritmo médio nos 10 km = 3min22seg
Observe que o corredor A, embora tenha um tempo inferior nos 1000 m, a relação deste para os 10 km é de 0,87; no caso do corredor B, que possui uma marca melhor nos 1000 m, a relação para com os 10 km é de 0,80.
A maior relação encontrada indica a característica do corredor, no caso, o A é o mais resistente e o B, o mais veloz (possibilidade de uma maior quantidade de fibras Tipo IIa).
Portanto, ao falarmos de corredores velozes e resistentes, não estamos falando daquele que é mais rápido em relação ao tempo de prova, mas a relação entre a velocidade de base (1000 m) e o ritmo médio de competição na prova específica (10 km).
Em tese, os corredores mais velozes seriam aqueles que apresentam maiores condições de evolução nas provas de fundo, pois o fator velocidade já lhes é próprio por natureza. Muito dos melhores corredores de 10.000m foram grandes atletas na distância de 1500-3000m.
Orientação do treinamento
Os corredores devem ser submetidos a treinos específicos, capazes de elevar o seu ritmo de competição. Os corredores resistentes e velozes devem ser treinados conforme a característica e atuação das suas fibras musculares.
Dentre as várias propostas, sugerimos os seguintes treinos para os ajustes fisiológicos necessários para um ótimo desempenho nas corridas de fundo:
1) Potência Aeróbia
O treino de potência aeróbia tem como finalidade aumentar o consumo máximo de oxigênio, um atributo fisiológico de grande importância para os corredores. O VO2max é responsável pela captação do oxigênio do ar atmosférico pelos pulmões, o seu transporte pelo sangue e a sua utilização pelos músculos em atividade. Nesse tipo de treinamento, as fibras Tipo IIa são exigidas e beneficiadas; o corredor deverá executar tiros entre 30 seg a 3 min, com pausas entre 2-5 min, Exemplo de treino: 20’ trote / aquecimento + 4 x 400 + 10’ trote + 2 x 800 + 10’ trote + 4 x 200 + 20’ trote.
2) Tolerância ao Esforço
O treino de tolerância ao esforço ou de limiar anaeróbio tem como objetivo aprimorar a capacidade de trabalho do corredor em níveis mais elevados, que se aproxime do seu maior valor potencial relacionado ao seu consumo de oxigênio. Isto significa que o corredor será capaz de correr em um ritmo mais elevado sem acúmulos de toxinas (como o lactato) que venha a prejudicar o seu desempenho.
O lactato é uma substância formada a partir da decomposição da glicose, utilizada para o fornecimento de energia para os músculos e que, caso se acumule além de uma determinada quantidade no sangue pelo inadequado suprimento de oxigênio, provoca a diminuição da intensidade ou até mesmo a interrupção do exercício. Devido à alta intensidade do exercício e a sua duração prolongada, tanto as fibras tipo I e tipo IIa são exigidas. O método fracionado é o mais indicado para o treinamento. Exemplo: 20’ trote + 3200 + 10’ trote + 2400 + 5’ trote + 1600 + 20’ trote.
3) Resistência Aeróbia
São os treinos de rodagens, ou seja, corridas contínuas realizadas em ritmo confortável e de caráter aeróbio, em distâncias que podem variar de 3 a 30 km, conforme o condicionamento de cada corredor. O objetivo dessas sessões é elevar a capacidade de resistência dos corredores, tanto em relação ao aspecto físico, quanto ao aspecto psicológico. As fibras tipo I são as mais exigidas e beneficiadas por este treinamento.
4) Resistência Muscular e Endurance
Trabalho realizado na sala de musculação, com halteres, barras e aparelhos. Este tipo de treinamento, dependendo de sua orientação, pode desenvolver as fibras Tipo I (treino de “força aeróbia” / endurance), e / ou as fibras Tipo IIa (treino de “força anaeróbia" / resistência muscular). Para o treino de endurance, a carga deve ser baixa e o número de repetições elevado (acima de 50); para o treino de resistência muscular, utilizar carga moderada e número médio de repetições (entre 15-30). Corridas realizadas em aclives (“rampas”), também servem para a ativação de ambas as fibras.
5) Treino de Velocidade “sprint”
Para ativar as fibras Tipo IIb, os corredores devem realizar corridas curtas em máxima velocidade. Após o aquecimento, executar 4-6 x 40-80 m, com pausa entre 2-5 minutos. Treinos de saltos variados (horizontais e verticais) também são meios ótimos para treinar as fibras Tipo IIb.
Finalizando...
O tipo de fibra muscular predominante em um indivíduo pode ser um bom indicador de suas possibilidades em modalidades esportivas que exigem força, velocidade ou resistência.
Entretanto, isto não significa nada, pois para se tornar um grande campeão, além dos dotes fisiológicos e biomecânicos providos pela genética, o treinamento adequado, a dieta, o repouso e a atitude psicológica (motivação) são fundamentais para o sucesso.
O importante para o corredor é saber quais são as suas características, conhecer os seus pontos fortes e, a partir de então, trabalhar com dedicação, perseverança e disposição para se alcançar o melhor.
No mais é correr... pois corrida é para quem vive de bem com a vida!
Marcelo Augusti – CREF 006263/SP
Pós-graduado em Fisiologia do Exercício e Treinamento Esportivo pela Unifesp
Consultor em Preparação Física da Revista Contra-Relógio
Colaborador da Revista Spiridon (Portugal)
Professor do Curso de Extensão Universitária em Preparação de Corrida de Fundo da UniFMU