quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Treine seu corpo para correr no calor


Entenda como o corpo se adapta ao clima externo e corra com segurança sob altas temperatura e umidade

Durante o exercício, o corpo humano está sempre trabalhando para manter a homeostase, ou seja, o equilíbrio fisiológico de suas funções vitais. Mas, em algumas situações adversas, há uma tendência à perda desse equilíbrio da fisiologia humana. O calor – altas temperatura e umidade – é um desses fatores desestabilizadores.

Correr quando está quente não é somente difícil. Pode ser também perigoso. Se o corpo não está acostumado a regular a temperatura corpórea, se as condições atmosféricas não estiverem adequadas à pratica da atividade, se a hidratação for falha e se o corredor apresentar sobrepeso, as chances de sofrer as conseqüências da hipertermia são maiores.

Segundo a fisiologista Liane Beretta, professora da Universidade de Worcester, na Inglaterra, o ser humano tem a capacidade de manter a temperatura corporal estável em ambientes com temperaturas extremas de até 50ºC (temperatura média durante o dia de um deserto como o Saara). “No entanto, durante o exercício, ocorre um aumento da produção de calor interno por meio das contrações musculares e da aceleração do metabolismo, tornando a termorregulação mais difícil. Quanto maiores o volume e a intensidade do exercício, maior o calor interno produzido. Conseqüentemente, maior será a temperatura interna.”

Fatores que influenciam a termorregulação:
:: temperatura
:: umidade relativa do ar
:: excesso de peso corporal
:: hidratação
:: horário de treino
:: capacidade de aclimatação
:: roupas e acessórios dequados
:: condicionamento físico
:: suplementação

A temperatura ótima do organismo é de 37ºC. “No final de uma prova ou treino longo e intenso, a temperatura interna atinge facilmente mais de 40ºC, caracterizando a hipertermia. O que vai determinar se essa elevação irá acarretar danos ao organismo é a aclimatação adequada e o bom condicionamento físico do indivíduo, que poderá ou não regular adequadamente sua temperatura”, explica Paulo Sérgio Zogaib, fisiologista do exercício e professor do Cemafe (Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte da Unifesp).

A intensidade do calor produzido internamente durante o exercício depende também das características do clima, como a temperatura e a umidade relativa do ar.

Quanto mais alta for a temperatura externa (atmosférica), maior será o desgaste do corredor, pois mais difícil será a dissipação do calor para o ambiente e também mais tempo ele levará para se aclimatar ao local. Por isso, temperaturas mais amenas, entre 12 e 15ºC, são as mais recomendadas para a prática da corrida.

O corredor veterano Tom Osler, autor do livro “The Serious Runner’s Handbook” (Human Kinetics Publishers), sugere um teste simples para saber se a temperatura no dia da prova está adequada para o corredor bater seu recorde pessoal: na hora da largada, se o atleta está de short e camiseta e não sente nem um pouco de frio, a temperatura está muito quente para que consiga fazer o melhor tempo.

“Esse teste, porém, é muito subjetivo, pois algumas pessoas são tão aclimatadas ao calor que não sentem diferença no desempenho, até um certo limite de temperatura”, argumenta Liane Beretta.

“O que sabemos é que, em temperaturas mais baixas, o calor produzido pelo organismo é em grande parte utilizado por ele mesmo para manutenção das condições térmicas basais, retardando assim uma possível intermação”, afirma Neiva, da Unesp. Mas a condição ideal em relação ao clima não depende só da temperatura, e sim de sua combinação com a umidade relativa do ar (Outro fator importante é a velocidade do vento: quando não venta, a sensação térmica é maior, e a perda de calor, prejudicada, uma vez que o vento ajuda na perda de calor por convecção).

Influência da umidade
A umidade relativa do ar é definida como a relação da água (vapor) no atmosfera a uma determinada temperatura com a quantidade total de umidade que poderia ser transportada nesse ar e é expressa em percentual. É considerada alta quando passa de 60%. “Por exemplo: quando se diz que em tal dia a umidade relativa do ar era de 40%, significa que o ar apresenta 40% de sua capacidade máxima de carregar água àquela temperatura”, explica Liane.

Uma das principais formas que nosso organismo encontra para dissipar calor é a transpiração (evaporação pelo suor). Mas o suor, em si, não é o responsável por baixar a temperatura do corpo. “A evaporação desse suor é o que ameniza o calor. Situações em que a umidade relativa do ar está elevada dificultam a perda da umidade do suor para o ambiente (pois a pressão de vapor no ar já se encontra elevada)”, diz Liane.

Portanto, quando o atleta sua muito durante o exercício em local de alta umidade, esse suor não se evapora para o ambiente e, conseqüentemente, a temperatura corporal não abaixa. “Por isso, quando corremos em locais úmidos, temos a impressão de que suamos mais do que em ambientes secos, em que o suor se evapora rapidamente”, acrescenta a fisiologista. “Esse volume de suor excessivo acumulado na pele em nada se relaciona com uma atividade salutar, ou seja, não é bom sinal, muito menos significa que a atividade está sendo eficiente ou saudável”, alerta Neiva.

Essa sensação de “suar mais” pode:
:: estimular o corredor a ingerir mais líquidos do que o necessário, o que pode acarretar hiponatremia
:: Fazer que ele se seque com mais freqüência, o que não estará ajudando a resfriá-lo, muito pelo contrário: a temperatura corporal será mantida sem a evaporação.

“A umidade do ar é mais alta sempre que chove, devido à evaporação que ocorre posteriormente, em áreas florestadas ou próximas aos rios, em represas e no mar e quando a temperatura diminui (orvalho)”, explica Hilton S. Pinto, diretor associado do Cepagri (Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Praticar exercícios em locais com índices baixos de umidade no ar também requer precauções. “A evaporação do suor, nesse caso, se dá mais rápido, e muitas vezes o atleta nem percebe que suou, podendo relegar a hidratação e aumentar o ritmo da atividade pensando erroneamente que não está fazendo esforço suficiente”, afirma Zogaib, do Cemafe. Zogaib afirma ainda que índices de umidade entre 35 e 60% são os ideais para a prática da corrida. “Mas a umidade relativa do ar tem relação direta com a temperatura.”

Efeitos na performance e aclimatação
O estresse térmico está diretamente relacionado à distância da corrida. “Em outras palavras, quanto mais longa a prova, maiores são as chances de sofrer com a temperatura. Portanto, em uma maratona, a atenção ao calor deve ser redobrada”, afirma Liane.

Jack Daniels, técnico de vários atletas nos Estados Unidos e autor do livro “Daniel’s Running Formula” (Humans Kinetics Publishers), afirma que o planejamento de correr uma maratona varia de acordo com a temperatura do ambiente. Se o tempo total estimado for de três horas:

:: a uma temperatura de 21°C, o tempo pode sofrer um aumento de 3min
:: a 27°C, o tempo da prova pode aumentar 5min30s
:: a 32°C, o total pode aumentar em 8min30s

“Portanto, de acordo com a temperatura no início da prova, o corredor deve planejar o seu ritmo de forma diferente”, explica o técnico americano.

Aclimatação
Pesquisas recentes mostram que o corpo se adapta ao calor por meio da exposição prolongada. “Para se aclimatar ao calor, deve-se treinar com temperaturas altas (acima de 30ºC), aumentando gradativamente a intensidade e o volume da atividade. Após as duas primeiras semanas, o atleta vai observar adaptações corporais que variam de diminuição de batimento cardíaco, da temperatura corporal e da percepção de esforço a aumento da produção de suor e redução da concentração de sal nesse suor e do volume sangüíneo”, explica Liane. Pessoas com melhor condicionamento físico se aclimatam com mais facilidade. “Essas adaptações fisiológicas, porém, são perdidas depois de duas ou três semanas de falta de exposição ao calor”, completa a fisiologista.


De olho no clima brasileiro
:: O período mais quente do dia é por volta das 14h, quando o ar atinge as maiores temperaturas. No entanto, o maior aquecimento direto pelo sol é ao meio-dia. Assim, deve-se evitar exercício entre 10h e 16h, principalmente no verão.

:: Nos meses de julho, agosto e setembro, nas regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste do país, a umidade relativa do ar baixa significativamente, podendo atingir níveis próximos a 10%, como em Brasília. Abaixo dos 30%, começa a ser prejudicial à saúde, podendo causar ressecamento das mucosas e problemas respiratórios, entre outros. Deve-se evitar exercício entre 10h e 16h nesses meses. Correr próximo aos lagos ou represas é recomendável nesses casos. MAPA BRASIL ILUSTRANDO E INFORMANDO

:: Entre os meses de novembro e fevereiro, a radiação ultravioleta incide fortemente na área tropical. Ao meio-dia, o IUV* chega a ser de 12 a 14, ou seja, crítico para a saúde humana, principalmente para as pessoas com pele clara. Não se deve praticar exercício nesses horários, sob pena de queimaduras sérias, câncer de pele e danos à visão.

*O IUV é um índice que corresponde ao total de radiação ultravioleta que atinge a superfície, por volta do meio-dia, com a seguinte classificação com relação aos efeitos no ser humano exposto diretamente ao sol:

1 e 2 - baixo
3 a 5 - moderado
6 e 7 - alto
8 a 10 - muito alto
maior do que 11 - crítico (extremo)

:: Nas zonas urbanas, as temperaturas podem ser de 5 a 6ºC maiores que nas áreas rurais. A temperatura do asfalto pode chegar a cerca de 60ºC ou mesmo 70ºC por volta do meio-dia, no verão do hemisfério Sul. Em área vegetada, as temperaturas ficam mais amenas.

:: Há perigo real de ocorrência de raios, durante tempestades, que possam atingir atletas caso estejam correndo em áreas planas, já que o ponto mais alto é a cabeça do próprio atleta. Nesses casos, o corredor nunca deve se proteger debaixo de árvores, e sim procurar proteção em prédios de alvenaria ou concreto (como pontes).

Fonte: Hilton S. Pinto - diretor do Cepagri, da- Unicamp


Como o corpo produz calor?
Durante o exercício, entre 75 e 80% da nossa energia é perdida na forma de calor, e apenas de 20 a 25% são utilizados como energia mecânica. Esses valores variam conforme o estado de condicionamento físico do indivíduo. “Essa eficiência mecanometabólica do ser humano parece baixa, mas pode ser considerada alta se comparada com qualquer máquina desenvolvida pelo homem, que têm um aproveitamento máximo bem inferior”, explica Paulo Sérgio Zogaib, fisiologista do exercício e professor do Cemafe, da Unifesp.

Esse calor precisa ser dissipado para o ambiente, e o organismo tem vários mecanismos para promover essa perda e, conseqüentemente, manter a temperatura corpórea ideal, a 37ºC.

Existem várias formas de perda de calor. No caso do exercício, as mais importantes são:
- Condução
- Convecção
- Evaporação respiratória
- Evaporação pela sudorese (suor)
- Irradiação

Na condução, o calor é perdido através do contato de um corpo quente com superfícies mais frias. Por exemplo, quando um corredor joga um copo de água na cabeça, há uma queda da temperatura corpórea e uma conseqüente sensação de alívio.

Na convecção, o ar quente ao redor do corpo aquecido é substituído pelo ar frio da atmosfera, quando o indivíduo encontra-se em movimento. Essa troca é facilitada quando existe uma maior ventilação. Já durante a evaporação respiratória, chamada também perspiração, moléculas de água também são eliminadas, na tentativa de equilibrar a temperatura interna.

Na evaporação pela sudorese, que, segundo o fisiologista do exercício Renato Lotufo, corresponde a 85 % da troca térmica do corpo com o ambiente, o calor é perdido pela evaporação do suor, resultado da transpiração. “Essa situação ocorre predominante em climas mais secos ou regulados, mas nunca em ambientes com umidade relativa do ar muito alta, resultando em um volume de suor muito grande, não evaporado e que pode comprometer a hidratação e o volume de sangue circulantes (hipovolemia)”, explica Cassiano Merussi Neiva, professor da Faculdade de Ciências da Unesp.

Finalmente, na irradiação, o corpo humano consegue irradiar seu calor para objetos próximos a ele, especialmente se estes apresentarem temperaturas mais baixas, tal como acontece quando uma pessoa entra em uma câmara frigorífica ou se exercita em um laboratório climatizado.

A transpiração tem papel fundamental na termorregulação. O suor é a secreção natural das glândulas sudoríparas, constituído de água (99%) e sais minerais (1%). Essas glândulas estão espalhadas por todo o corpo, mas se concentram em axilas, mãos, pés, testa e dobras.

Quando a temperatura interna do corpo sobe, o suor age como um mecanismo de refrigeração: os vasos sangüíneos próximos à pele se dilatam (vasodilatação) e estimulam as glândulas sudoríparas a iniciarem o processo de transpiração. Com os vasos dilatados, a pressão arterial tende a baixar, e a freqüência cardíaca sobe. Quando a perda de líquido através da transpiração é muito intensa, o corredor pode ficar desidratado, o que costuma ocorrer facilmente em climas quentes e úmidos (praias). “Se a perda hídrica for de até 2% do peso corporal, a reposição somente com água é suficiente. Se atingir ou ultrapassar 3%, é chegada a hora de se reidratar com bebidas isotônicas e carboidratos”, diz Zogaib. Segundo Liane Beretta, uma perda de 2% do peso corporal significa 10% de queda na performance.

Levando para o exemplo prático, um corredor de 70 kg que perca 2% de seu peso corporal perderá 1,4 kg, chegando a pesar 68,6 kg. Se corria a 5min/km, passará a correr a 5,3 min/km se, ou seja, perderá 10% na performance. “Se essa perda for de 5% em relação ao peso corporal, a performance fica comprometida em 30%. Acima disso, começam a aparecer as manifestações clínicas, como perda da coordenação, fadiga, cãibras etc.”, explica.


Ana Luisa Bartholomeu, 2006

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