sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Alongar ou não, eis a questão!

Muito se fala, atualmente, sobre a questão do alongamento para os corredores. Fazer ou não fazer? Pode ou não pode? Antes ou depois? Enfim, são dúvidas que povoam o imaginário de corredores e treinadores que, com tantas informações ditas científicas, já não sabem mais como proceder.

Opiniões sobre o tema é o que não faltam. Há quem diga que já sofreu lesões por causa do alongamento; outros, porém, afirmam que nunca tiveram uma lesão por alongar com regularidade. Fisioterapeutas, médicos do esporte, educadores físicos, técnicos esportivos, cientistas e filósofos todos têm seus pontos de vista. Como opinar, em um país democrático é um direito do cidadão, devemos respeitar a controvérsia sobre tal questão que, no entanto, já se faz embaraçosa nas rodas de corredores, nos cursos de treinamento de corrida e nos meios acadêmicos pelo país afora.

Mas qual é a “verdade” sobre o alongamento? Em tempos de crise, aconselha-se buscar o restabelecimento do equilíbrio. E nesse caso, o equilíbrio é fundamental, pois seguir por extremos pode levar a conclusões precipitadas e mesmo levar ao precipício!

As opiniões radicais dos especialistas sobre o alongamento, as informações científicas veiculadas pela mídia e o descaso histórico dos corredores em realizar exercícios de alongamentos, contribuíram para que se juntasse “a fome com a vontade de comer”. Ou seja, se antes os corredores já se mostravam preguiçosos para tal costume, com algumas (des) informações de hoje, a maioria passa longe de uma boa espreguiçada!

Assim, com a bandeira do “não alongar” empunhada e defendida por inúmeros adeptos, alguns dos quais (influentes) é bem certo que nunca levaram o alongamento a sério e tampouco sabem de correr, estabeleceu-se o desequilíbrio e a confusão entre as partes conflitantes.

Mas, afinal, qual é a “verdade” sobre o alongamento? Para responder a essa questão, vamos deixar de lado a “verdade” para os filósofos e tratar da flexibilidade.

A flexibilidade é um requisito importante para uma boa execução de movimentos, seja em relação à sua qualidade ou quantidade, apresentando um efeito positivo sobre as demais capacidades física do rendimento esportivo.

Ao melhorar a sua flexibilidade, o corredor será capaz de realizar os exercícios de corrida com maior fluência, utilizar menos força e com mais facilidade e eficiência. Corre-se melhor, pois se gasta menos energia!

A flexibilidade desenvolvida de modo ideal pelo corredor apresenta as seguintes vantagens:

- otimização dos movimentos, que pode ser observado na leveza durante a expressão dos gestos técnicos relativos à corrida e na capacidade de relaxamento dos músculos; os músculos responsáveis diretos pelo movimento apresentam maior capacidade de gerar força, como os das panturrilhas e da coxa; músculos que apresentam uma maior capacidade de relaxamento também contribuem para a economia de energia (facilidade na execução dos movimentos e menor resistência dos antagonistas, ou seja, os músculos que se contrapõem ao movimento); o encurtamento dos músculos prejudica o mecanismo da contração muscular, gerando maior desgaste para a realização dos movimentos e manutenção da postura;

- profilaxia de lesões, o desenvolvimento da flexibilidade na medida certa leva ao aumento da elasticidade muscular, da mobilidade articular e da capacidade de alongamento dos músculos, tendões e ligamentos, que se tornam mais tolerantes às cargas de treinamento; além do mais, contribui para que os músculos sobrecarregados por gerarem grande força ou resistência sofram encurtamento; a biomecânica da corrida de fundo promove o encurtamento dos músculos posteriores da coxa, principalmente; músculos encurtados são sinônimos de “perigo de lesão” (imagine aquele corredor, com seus músculos posteriores das coxas encurtados, em uma desabalada carreira colina a baixo; a obrigatoriedade em aumentar o tamanho da passada pode romper as fibras musculares facilmente e afastá-lo por muito tempo dos treinos e das competições);

- otimização da recuperação, após os treinos e competições, os alongamentos devem ser realizados para acelerar o processo de recuperação, desfazendo a tensão muscular e o encurtamento da musculatura, ativando a irrigação sangüínea e a retirada dos produtos do catabolismo. A “terapia do alongamento”, portanto, é fundamental para a manutenção do processo de treinamento e melhora do rendimento esportivo, pois ao corredor livre de lesões sempre será possível a continuidade do treinamento (treinar sem interromper o processo).

Não devemos esquecer que, ao falarmos de “treinamento esportivo”, temos que distinguir os envolvidos nessa atividade.

Assim, será que todos aqueles que correm, treinam corrida? Dos que treinam corrida, todos competem? Desses que competem, quantos são qualificados? Dos qualificados, quantos são de alto rendimento? E entre os de alto rendimento, quantos se tornam campeões e recordistas? Devemos analisar a quem se destina tais pesquisas científicas e que interesses há por detrás.

Enfim, quando falamos de corrida e alongamento, de quem estamos realmente falando? Do atleta profissional especialista e altamente competitivo ou do cidadão comum que tem na corrida a expressão lúdica da competição? Do cidadão que deseja lazer e bem-estar físico, emocional e social ou do campeão da resistência?

A saúde do indivíduo seja ele atleta ou não, deve estar acima dos debates científicos e filosóficos não conclusivos ou das discussões técnicas suspeitas, e o dever do profissional da Educação Física e Saúde é promover a qualidade de vida. Mesmo os atletas de maior fama e conquistas um dia serão cidadãos comuns! Não devemos esquecer isso, pois muitos campeões do passado acabaram muito mal. Há quem diga que é o preço do sucesso, mas será mesmo?
Como técnico esportivo, faço as seguintes recomendações aos corredores de todos os níveis de condicionamento e competitividade:

- antes de iniciar o treino de corrida, alongar sempre. Porém, antes de alongar, realizar um trote de pelo menos 5-10’ ou mais, para a elevação da temperatura corporal. Músculos “aquecidos” são mais fáceis de serem alongados. O aquecimento antes do alongamento não deve ser negligenciado, pois alongar “a frio” pode ser um fator de risco de lesões;

- selecionar os exercícios de alongamentos que trabalhem os grupos musculares mais importantes para a corrida (como coxa anterior e posterior, panturrilhas, glúteos, lombar). Realizados de modo estático, vá até o limite fisiológico (sem forçar, dar “trancos” ou sentir dor, mas apenas um leve desconforto), mantendo a posição por 20 segundos. Relaxe e repita duas ou três vezes;

- após o treino, espere cerca de 15 minutos (aproveite para fazer a reposição hídrica e energética) e faça novamente a série de alongamentos, sempre de modo suave, procurando relaxar a musculatura.

Em tempos de crise, é bom restabelecer o equilíbrio. Alongamento e corrida podem sim, conviver pacificamente. Os alongamentos, se realizados de modo correto e na medida ideal, irão contribuir para a melhora de alguns aspectos fundamentais da corrida que, como conseqüência indireta e ao longo do tempo, irão aprimorar o condicionamento físico e otimizar o rendimento esportivo.

Marcelo Augusti
CREF 006263 / SP
Fisiologia do Exercício e Treinamento Esportivo, UNIFESP






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